O papel dos desfiles de moda na criação de novas coleções
Os desfiles de moda das grandes marcas são fonte de informação para a criação autoral. A partir dele, marcas menores que não têm acesso facilitado aos principais provedores e às pesquisas de comportamento mais profundas, podem captar dados e utilizá-los em suas coleções e em produção de conteúdo.
Novos materiais e novas práticas de sustentabilidade
Tecnologias e técnicas de modelagem, acabamentos, tingimentos, estampas etc.
Percepção geral sobre desejos de consumo
Reflexos de identidades nas roupas
Descrição de estilos que apontam continuidades ou transformações do público
Conceitos dos itens e acessórios
Amadores e novatos na moda não sabem muito bem para que servem os desfiles. Não é incomum ouvir coisas do tipo "nas passarelas só se desfilam roupas que ninguém usa" ou também "ah.... meu sonho é fazer um desfile da minha marca" e, a mais comum, "eu olho os desfiles para copiar as tendências." Apesar de todas as mudanças na moda nos últimos 50 anos e, por consequência, não foi nada incomum ao longo destas últimas semanas de moda ler postagens nas redes sociais com essas abordagens.
Os desfiles hoje são um potente recurso promocional e de visibilidade para as marcas porque, sendo fotografados e filmados e tendo as imagens circulando o mundo, o nome de uma marca ou designer desconhecido para o público atravessa qualquer barreira geográfica na velocidade da luz. A imagem de moda certa pode não ter nada a ver com as melhores roupas .... pode ser derivada da performance, da locação e até mesmo da plateia.
Exemplos não faltam. Em outubro de 2022, na temporada de Nova Iorque, por exemplo, a presença de Andy Sachs ao lado de Anna Wintour na primeira fila de Michael Kors rendeu incontáveis matérias e posts meio nostálgicos - uma lembrança gostosa e divertida do Diabo Veste Prada. Já em Paris, na última rodada, Bella Hadid desfilando para a Coperni, recebeu um banho de spray diretamente em seu corpo formando um vestido branco. O material, já patenteado, é obtido a partir da transformação de latinhas de bebida e dá origem ao que se pode chamar de arte vestível. Apesar de a performance não ser exatamente inovadora (Alexander McQueen já tinha pintado uma modelo e seu vestido na passarela), vai ficar para a história. Até agora você sabia muitas coisas sobre a Coperni?
E claro, isso foi tão importante para o sistema que nos desfiles de fevereiro de 2023, a Coperni trouxe para as passarelas o cachorro-robô que interagia com a modelo.
Mas claro, os desfiles não são apenas marketing (no sentido vazio) nem só arte. Eles também falam sobre moda e são a principal ferramenta de medição que as marcas têm sobre o sucesso de determinados produtos, cores, materiais etc. A "recepção" por parte de consumidores e compradores das criações, indica certamente caminhos para realinhar as coleções e desdobrar os produtos, além de alimentar com informações de moda todo o mercado que não inova, mas decodifica e adapta a visão de mundo das grandes marcas.
Sim. Sem dúvida.
Não só pela questão moral, mas também porque não resolve as questões de desenvolvimento de produtos nas empresas que não são inovadoras. É necessário "ler e entender" desfiles, para poder decodificá-los e transformá-los na informação necessária para a criação.
Vamos partir do início. Marcas de moda potentes como a grande maioria que desfila nas capitais da moda, possuem equipes gigantescas de desenvolvimento de produtos, que começam a ser planejados com investimento nas pesquisas sociais, de comportamento, de materiais etc. Depois da coleção criada, é bem provável que os produtos resultantes estejam muito alinhados com os consumidores, pois, afinal, não são produtos aleatórios, mas desenvolvidos por equipes multidisciplinares altamente competentes e informadas. Então, tendo bons produtos e um marketing + comunicação eficientes, é quase certo que a coleção terá sucesso comercial. Ocorre que essas grandes marcas têm poder de persuasão e conseguem fazer lançamentos super inovadores adotados pelos formadores de opinião. Nós sabemos que em nossa pequena realidade, isso não é tão possível. Então, nosso público também procurará em nossos produtos resquícios do que viu nas marcas gigantes.
Mas isso nã quer dizer que devemos copiar, pois claro, não vai dar muito certo. O público é outro, o contexto outro, materiais diferentes etc. etc. além da necessidade de baratear o produto - o que o deformará -, porque se fosse possível subir tanto os preços, nossa marca também seria uma inovadora. Na melhor das hipóteses, o resultado será nota 6. O que fazer, então?
Devemos entender que o papel dos desfiles é sintetizar o momento que vivemos visualmente, por meio da moda. Cada marca soluciona seus produtos dirigindo-os a públicos que se encaminham a diferentes direções, então, o primeiro passo, é entender o nosso público e prever qual é a sua posição neste momento. Isso nos dará uma visão muito clara do espírito mais narrativo que nossas coleções podem assumir, permitindo que cheguemos a temas, a formas, a propostas alinhadas com esses desejos que já foram descobertos e questionados por essas marcas maiores, detentoras de recursos para a interpretação social e também de disseminação de suas próprias ideias. Poderemos colocar então nossa coleção no meio dessa turbulência de necessidades e soluções. Outra coisa para trazer dos desfiles, é a leitura dos materiais que estão em desenvolvimento, das cores e composições novas, das técnicas ornamentais mais evidentes. Tudo isso é a estética do momento, ela deve ser inspiração para criações alinhadas com aquilo que nosso público pode querer. É a informação que temos do que é possível fazer para dominar os materiais, para expandir nosso repertório técnico de modelagem, de tecidos, de tingimentos e estampas ...
Por essa razão os desfiles são sim fonte inesgotável de uma criação autoral. A diferença é que nossas marcas e nossos públicos podem não ter o poder de disseminação de ideias que outras têm e, ao contrário disso, trabalham em mercados e com públicos menos inovadores. É importante então alinhar o lançamento de produtos ao próprio perfil de inovação de nosso público.